17.1.07

espaço é possibilidade: em terra de gato, quem é rei abre o olho

E eu ia pensando, pensando, e me deparando com o gosto que tem o ato da escrita. O comportamento da escrita. O peso de uma palavra e depois outra. E a liberdade do espaço entre elas. E penso que eu queria ser o gato Emanuel da Lygia Fagundes Telles. Um gato transformado em possibilidade. Mentira branca que a personagem aplica só pra não ficar de fora do grupo que tem. Tem o quê? Homem, mulher, hierarquia, sorte, muito medo. E a gente tem medo é do peso das palavras, da possibilidade que se abre através das palavras, e tem medo do espaço que elas permitem que exista. Uma menina inventa que Emanuel é o nome do novo namorado dela. Muito diferente da outra, a amiga, que tem um namorado que se chama sei-lá-o-quê. E a diferença está no espaço. O espaço que a protagonista do conto de Lygia cria para si, dando uma chance aos outros. Sim, porque ela sabe que Emanuel é o nome do gato que ronrona nos pés dela de noite. Assim como eu penso agora que uma palavra e depois outra ficam escritas pedindo que eu as leia e crie algo de novo no espaço entre elas. Complicado, isso. Complicado, sim. A gente querer expandir a vida, dar uma chance para o dia de hoje, fazer desse dia aquele que teria, na nossa imaginação, 28 horas. 33, sei lá. Um pouco mais. Uma respiração a mais: um olho desenhado a batom no espelho, um olho vivo, uma imagem viva que não tem semelhança com o olho nu, mas que é a tal da possibilidade. Invento um olho de batom e driblo o meu medo, a minha desorientação, a angústia medonha que vem de noite me pegar pelo pé, e eu? Eu chuto. Fica o gosto azedo da angústia, de uma coisa fora de lugar que sempre teve seu lugar guardado em mim, entretanto. Entre tantos espaços, condicionamentos, e vontades de ser o que sou sem dar satisfação pra ninguém. Essa a idéia do gato Emanuel. Nome bíblico ou de rei. Nome que produz no ouvido dos outros um efeito de palavra nobre. E a coisa da palavra, escrita, falada, produz esse fenômeno: a possibilidade de dar um significado novo. E de ler uma palavra através da outra. Por que, quando pequenas, aprendíamos a dizer o verso “batatinha quando nasce se esparrama pelo chão/menininha que namora põe a mão no coração”? Por causa do medo. De que botássemos a mão em outro lugar muito mais interessante. Para que não criássemos a possibilidade do desejo do sexo do outro. Para que nos apaixonássemos romanticamente e guardássemos essa estória toda que eu escrevi aí em cima num baú velho, cheio de quinquilharias que um dia mostraríamos aos netos. Anseio pelo gato Emanuel. E pelo olho que vou desenhar com batom agora mesmo no meu espelho.

Um comentário:

Cinthya Verri disse...

Olho pintado com a tinta da boca: boca que diz o que vê o olho...
Olho vazado com íris de espelho. O olho que reflete e mostra o que está vendo. Mas o que vemos refletido não é o que o outro vê. É só um reflexo...
Beijos