19.1.07

ah, dessa vez

“Passei longos períodos escrevendo muito – idéias, frases, cenas que vi ou pensei, que geralmente me vinham depois de já deitado na cama para dormir, à noite, geralmente quando eu ouvia música ou lia ou fazia as duas coisas ao mesmo tempo. Nesses momentos, eu me levantava da cama e me sentava para escrever. Isso me tirou noites de sono, sono este que eu só encontrava na madrugada, ouvindo o canto dos primeiros pássaros. Isso não tem nada demais, como de resto tudo o que relato aqui, mas relatar é o que sei fazer, mais uma vez estava eu deitado, na companhia de um bom livro, quando me deu essa de escrever sobre o que fiz, para, quem sabe, encontrar quem sou, depois disso terminado. Passei também longos períodos de minha vida no silêncio, sozinho em minha casa, silêncio que nem quebrava com música, um silêncio profundo mesmo. Um silêncio que me dava medo. Esses períodos de mudez vinham depois de grande produção criativa, frenética. Hoje, posso pensar que era como a respiração: uma profunda inspiração, uma intensa expiração. Mas geralmente eu pensava ‘ah, dessa vez estou ferrado, me fodi, que vida é essa minha?’. Eu me assustava com o meu silêncio e minha pouca vontade de me expressar, de ser agradável a mim e aos amigos, de reconhecer algo como bom, legal, bacana. Sons me incomodavam, risadas me incomodavam, entusiasmos me perturbavam, eu estava num longo sentimento de solidão, de rompimento, eu e mais eu, uma combinação que quase sempre pensei ridícula e, no entanto, a única com que podia viver: eu e mais eu, e quantos mais, não sei. Na verdade, pensando bem, mesmo nos períodos de força criativa, sempre me senti absolutamente só. Um só que me entristece, até hoje. Acho que este talvez seja o sentimento que mais me manifeste: a tristeza. É uma vontade genuína de tristeza, mas uma revolta de haver tanto de triste em mim. Minha profissão correu, mais das vezes, ao largo, eu não comungava o trabalho com essa tirania do sozinho. Mas ela, a solidão, estava lá, sempre, como uma companhia de amor incondicional. Não sei se algum dia senti amor incondicional por mim mesmo, assim como penso que sou. Ao mesmo tempo, entendo que não existe a solidão como uma mulher bem vestida, de cabelos alinhados e olhar perscrutador. Nem no rosto de uma bruxa – a solidão não existe, a solidão é de uma vontade. E ainda que eu possa – porque meu intelecto atinge essa idéia – ainda que eu possa afirmar aqui que, pelo que disse antes, só posso concluir que tenha amor incondicional por mim mesmo, há um sentimento intransigente que não me deixa dizê-lo, a não ser que minta. Como dois mares distantes, muito distantes, há o eu que me prende aqui, que me quer aqui; e há o eu que me empurra para o abismo – é quando o eu que me quer aqui diz: fique.”

Nenhum comentário: