13.10.07

oh silenciosa

por que duvidas de mim,
oh silenciosa?
por que me socas o estomago para que eu nao cante?
por que me fazes febre e calor e coisa feita da outra cara do santo?
por que me queres de espanto e boca seca?
acaso vives em meca?
acaso baixas salarios?
acaso tens uma pedra com o teu nome gravado?
sou tua pròpria postura
e de ti nao vou ser vitima
te guarda, pois, oh , mudinha
eu quero é botar o meu bloco na rua da ladeiraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

18.9.07

oye

olá. tudo legal? tudo bem? tudo nos trinques? tudo em cima? como andam as coisas?

alô. as coisas andam com meios de transporte os mais variados - ultimamente, a pé, com um terceiro membro ora metendo-se a alçar vôo, ora enfiando-se rabo adentro. as coisas andam, ainda assim.
ontem eu estava numa festa onde pessoas se "pegavam". entao, a reuniao se concentrava na cozinha, e o resto da casa, às escuras, funcionava de palco para o brinquedo de pegar, que também era o brinquedo de "ninguém pode nos ver". aí, eu apareci no vao entre a cozinha e o banheiro, e uma das meninas me fez sinal para eu fazer silêncio. atrás dela, se escondia um dos meninos. nem pensei em acender alguma luz.

outro dia, fizeram uma ceia para a mae de um dos moradores da nossa casa. recolheram os vasinhos de maconha, abriram todas as janelas, ventava tipo sibéria, arrumaram as camas, esticaram tudo, conversaram gentis, limparam o banheiro, admiraram muito aquela mae que vinha e sentava à nossa mesa e ficava feliz de estar com o filho e seus amigos, es decir, nós todos estàvamos muito felizes de termos uma mae para jantar com a gente.

teve outra noite ainda em que me pediram para que eu tocasse violao, "uma brasileira, Eli"...
toquei Ovelha Negra, da Rita, eles me aplaudiram. como acham bela e sensual e redonda a língua brasileira!!!

somos um núcleo curioso. uma célula. um funcionamento. uma constelaçao.

ainda bem, irmao.

1.9.07



29.8.07

por que me descobriste no abandono?


suo embaixo dos braços no inverno de sete graus
eu suo baixando os degraus e desconfiando
desconfiando que de mim estão guardadas, por mim, as novidades?
mas que espécie de cara metade sou?
eu suo para onde vou
suo e sou
nos alinhavos de uma bainha que comecei, começo
e não canso
sempre me acontece
de pensar - ah, hoje, hoje, hoje!
olho fotografias e me descubro no abandono
eu não me esqueço, eu não me conheço?
oh, obrigada pelas lindas flores
oh, me irrito
oh, suo de aflita
oh, gravo a metade que sou
e as outras eu não largo, devagar,
caiu este amor aqui na minha mão.

25.8.07

gui-tar



às vezes eu me pergunto

por que sou tão deste lado

não faço do amor quase nada

nem fico sorrindo ao meu lado

pois eu me tenho toda hora

me como, me cuspo, me beijo

talvez eu não me entenda

mas hoje eu vou me mostrar...





raul, teus lábios de fel, tua boca dourada, tua pele infeliz


raul, tua pouca morada, teus cachos de uvas, por favor, me diz


que eu só tenho vertigens, só gasto fuligens e torço o nariz


e tu és muito dengoso, moroso, chistoso


e escreves com giz





(vou, vou, vou/vou fazer as malas/pegar esse trem/e comprar algumas balas)


22.8.07

fi(s)gada com queijo


São três horas da manhã/o bonde passou fiado/ouvi o grito de espera/acordei pra duvidar/não creio, não creio/são três horas da manhã/o grito me parte ao meio/sou grande sorriso e receio/numa esfera rumo ao mar/palavras de complicar/palavras tontas/são três horas da manhã/como figada/visto grosso casaco/vôo nos intervalos/a última vez que vi o bonde foi em 1967/três com dois não somam sete/espinhos na cama?

12.7.07

la tardecita

4.6.07

até que eu esqueca tudo isso e deixe a vida me cortázar

hoje conversei com julio cortázar. quem me ensinou? foi ele... de cabelos engraxados e rosto desenhado pela vida, ele arqueou as sobrancelhas cabeludas e me fez uma conversa de dentro para eu me agasalhar. estava muito frio no deserto dos corpos malcheirosos de um escritório em que se cumprem ordens, estava muito frio para eu poder falar. cortázar nasceu em bruxelas e viveu em buenos aires, cortázar casou tres vezes e viu que tinha vindo para nao entender... estas palavras.
entao eu passei de mao em mao a burrice.
entao eu fiz careta pra mim e ouvi cortázar dizer: "...esquece. viajei muito e traduzi bocas estranhas, nunca entendi o que diziam e mesmo assim escrevi tudo o que vivi buscando escrever tudo o que vivi."
entao a gente vive só por uma gota de sangue?
é.
julio, eu te amo.

27.4.07

desde drexler

cada um dá o que recebe
e logo recebe o que dá
nada é mais certo
nao há outra forma
nada se perde
tudo se transforma

(versaozinha para música de Jorge Drexler, Todo se transforma)

a cúpula de dentro do teatro
e o olho na cúpula que leva ao céu
jorge drexler gineteia a manada
e eu, eu, eu
nao sou mais o que fui
sou esta: a cúpula
no firmamento
no firme aumento de minhas dúvidas
acarinhadas, acalentadas, regadas todos os dias
pois que floresçam
pois que adoleçam
pois que me esqueçam
pois que se façam de pé

"... gira en el aire mi moneda..."

7.3.07


4.3.07

andarilhos


3.3.07

taí


escalare, escalare...


2.3.07


25.2.07

Tua


Naquele tempo, escrevia-se cartas. Jeannie guardava cópias das que mandava numa pasta azul. E naquele domingo, foi pra cama com a certeza de que a resposta da última chegaria na manhã seguinte. O correio não falhava - ademais, a cidade era pequena. Então, quando o carteiro chegou, Jeannie já tinha tomado café e caminhava no jardim.

- Bom dia, senhora!

- Que belo dia, Artur. O que tem para mim?

- Aqui estão. Fora as contas, este cartão.

- Hm. É da minha prima, a Lídia. Ela está passando uns dias nas termas aqui perto e... bom. Obrigada, Artur.

- Passe um bom dia, senhora!

Água, telefone, prestação da loja de tecidos - a última, ainda bem. E Lídia vai muito bem, obrigada, tirando férias em meio à natureza.

Mas.

Quando o pensamento começa ou é interrompido por um "mas", aí começa. Desventura! Eles se correspondiam há meses, desde que Jorge se mudara para Esterópolis, a trabalho. E mesmo antes, Jeannie sempre lhe escrevia, aquilo que não sabia dizer ao vivo.

É.

Como o correio nunca atrasava, e como fazia quinze dias que enviara a última carta, algo acontecera com Jorge.

Jeannie entrou no quarto, abriu o gavetão da escrivaninha, tirou a pasta azul. Espalhou as cartas pela colcha bordada.

Olhou pela janela: as luzes da prefeitura acenderam, o baleiro da esquina recolhia a mercadoria e já não gritava: pirulito! inhá-benta! tijolinho!

Jeannie tateou o abajur, acendeu a lâmpada.


Jorge querido


Hoje é dia de feira. Comprei abóbora, para fazer em calda, como você adora. Também arranquei inços do jardim e botei rolos nos cabelos. Agora, amarrei aquele lenço estampado de cor de rosa que você me deu.

Como vai o novo trabalho?

Está se adaptando?

Fico pensando se você está se alimentando, se continua com os exercícios, olha a gota, meu amor. Não facilita, por favor.

Será que você vai tirar uns dias na semana que vem para vir me ver?

Prometo trocar os lençóis e botar na cama a colcha que bordei quando nos conhecemos, lembra?

Às vezes me sinto tão sozinha, Jorge.

Ainda bem que o correio daqui nunca atrasa, tua resposta deve chegar em dois, três dias no máximo.


Te amo.


Tua


Jeannie

28.1.07

a festa começou

25.1.07

vestido-baile

...e botou o vestido-baile: na frente do espelho, segurou nas mãos, deu altura, o vestido soprava por causa do ar que a noite trazia pela janela e ganhava os contornos, de uma mulher assim, de uma mulher outrossim, de uma mulher acolá, de uma mulher lá, quando a valsa da esperança deu as primeiras notas, e o vestido, os primeiros passos; rodou no salão, perdeu as formas, ganhou na valsa o traço de riso de vestido, era um vestido da cor da rosa, e não, era lilás; olhou o espelho, e o espelho viu - que liso o tecido dando voltas! - e o espelho corou, a pele enrugou, do riso de ver o vestido de rosa; que rosa, não, era lilás, corou o vestido, vestiu o rosa, deu altura, cumprimentou; os contornos sopravam - não era por causa do ar que a noite trazia; de uma mulher em si, quando soaram as últimas notas, fecharam-se as portas do salão, perdeu-se o passo no risco que o vestido fazia, no chão; olhou o espelho, corou.

23.1.07

22.1.07

o pintor

piano

mulher de rosa na mão

Eu hoje acordei pensando que eu era mímica.
Depois fui me espreguiçando e vi que estou arrítmica.
Com o tempo, me aventurando, conclui que tísica.
Depois, com o sol fui me banhando e descobri a física.
Agora que já estou lá fora vou conferir minha métrica.
Disponho de um mundo de coisas mas não encontro estética.
Calculo que já vou chegando ao ponto da bulímica.
Mas vejo a lua despontando, o amor se mensurando, e a volta eu vou dar!


coisas boas:
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21.1.07

depois de modi

(fiz o desenho aí de cima depois de assistir o filme Modigliani, acho que pela quinta vez, que provavelmente não foi a última - a última parece tão longe...)

19.1.07

m o d i g l i a n i

Nu, Amedeo Modigliani
http://www.modigliani-amedeo.com

(Ouvindo Ode to innocence, Sasha Lazard)

“Quando eu conhecer tua alma, pinto teus olhos.”
Modigliani para Jeanne

Vi em Modigliani o cavalo. Não o cavalo nascido, não que ele tivesse na raiz o cavalo, nem no sentido eqüino, não. O cavalo em Modigliani vai mais pro relinchar de satisfação. O relincho sendo aquela manifestação moldável em si, a manifestação da vida simples, o relincho amoroso de exaltação, prazer, satisfação, gosto. E olha, a vida de Amedeo Modigliani foi cheia de desgostos. Daí a importância de se dizer: Modigliani, o homem que relinchava de prazer, de satisfação, de exaltação. Sobretudo na atitude de jogar tintas na palheta, misturá-las, escolher um pincel entre os muitos no copo sujo e alto, dar um gole na garrafa de tinto e, sem mais aquela, num soco não mudo mas espalhafatoso, assim, começar a pintura, e para que não lhe escapasse o sonho, o sonho por segundos nascido na idéia, o sonho que, por deus, não escapasse, oh vida de desgostos e rusgas, oh vida dura de Amedeo... por isso a rapidez com que lança o pincel na tela, para que lhe compreenda, lhe dê um colo esta tela muda, surda e branca, que se torne muito breve quase imediatamente a cúmplice do amor de Modi, do suor de Modi, da alegria, sim, da alegria!.... ponte diáfana entre o sim e o não, ponte esbodegada, e ainda ponte, entre a gota e a gota, entre o rito e o riso, oh, ponte de neve sobre as alegrias!!!! Galopa, então, o cavalo Amedeo Modigliani, galopa o puro sangue nunca domado Amedeo, galopa e salta sobre o vale profundo da agonia, e quanto precisa Modigliani, preciso, da mão mais rápida que o pensamento, do movimento mais veloz que o vento para lhe garantir uma pincelada a mais, quando – e só neste quando - o selvagem puro sangue relincha e não está acuado, mas sim revigorado na proeza do galope velocíssimo. Ave, Modigliani, o anjo da tristeza voa alto, para o além, se o cavalo selvagem expõe e compõe uma formosura, de formosuras mesmo engendrada, de formosuras mesmo cavada, de formosuras mesmo lavada, de formosuras mesmo erguida, de formosura, só dela, a beleza desta vida.

azul

O gelo é inanimado. Foi assim que ela reconheceu, quando te debruçaste sobre o ar, a longa construção de gelo no oceano coerente, uma construção tão convexa, em pontas côncavas, em depressões côncavas, o congelamento de séries, séries, séries de enormidades e dignidades, tu, ártico e tão grande sobre a água azul, também inanimada.

O gelo é digno. Foi assim que ela reconheceu, quando te debruçaste sobre o ar, a ártica construção de gelo no oceano grande, uma construção tão azul, em pontas inanimadas, em depressões inanimadas, o congelamento de séries, séries, séries de longitudes e coerências, tu, convexo e tão côncavo sobre a enorme água, também digna.

O gelo é enorme. Foi assim que ela reconheceu, quando te debruçaste sobre o ar, a grande construção de gelo no oceano ártico, uma construção tão convexa, em pontas enormes, em depressões enormes, o congelamento de séries, séries, séries de côncavos e dignos, tu, azul e tão longo sobre a coerente água, também inanimada.

O ar é azul. Foi assim que ela reconheceu, quando te debruçaste sobre o gelo, o grande oceano de gelo na construção ártica, um oceano tão digno, em congelamentos enormes, em depressões enormes, as pontas de séries, séries, séries de côncavos e convexos, a água, inanimada e tão coerente sobre o longo tu, também azul.

groenlândia

E repousou no teu corpo essas manchas de amores perdidos, amores traídos, amores congratulados e amores inventados e mornos, amores que queimam ao arder, amores que dão frio, amores de sempre, amores de iniciados, amores escuros, amores maduros e frouxos, amores enganados, ah, os primeiros amores - dessas manchas teu corpo ficou marcado, qual mapa geográfico. Depois, podia ver: aqui, a Ásia; mais abaixo, a África; e, num salto pra oeste e norte, a Groenlândia. Das zonas erógenas de teu corpo, contaste este segredo: qualquer coisa – dedo, língua, boca, braço, dente, fio de cabelo – te dava tesão bem ali, na Groenlândia, tesão de arrepiar o couro. E se ela soubesse a capital da Groenlândia diria que é justo no ponto que mais te dá de alucinar, na capital dessa misteriosa ilha. E deu de querer descobrir o nome da cidade do teu prazer, pegou o atlas geográfico do segundo grau e encontrou: a Groenlândia, capital Nuuk, é a maior ilha do mundo.

ah, dessa vez

“Passei longos períodos escrevendo muito – idéias, frases, cenas que vi ou pensei, que geralmente me vinham depois de já deitado na cama para dormir, à noite, geralmente quando eu ouvia música ou lia ou fazia as duas coisas ao mesmo tempo. Nesses momentos, eu me levantava da cama e me sentava para escrever. Isso me tirou noites de sono, sono este que eu só encontrava na madrugada, ouvindo o canto dos primeiros pássaros. Isso não tem nada demais, como de resto tudo o que relato aqui, mas relatar é o que sei fazer, mais uma vez estava eu deitado, na companhia de um bom livro, quando me deu essa de escrever sobre o que fiz, para, quem sabe, encontrar quem sou, depois disso terminado. Passei também longos períodos de minha vida no silêncio, sozinho em minha casa, silêncio que nem quebrava com música, um silêncio profundo mesmo. Um silêncio que me dava medo. Esses períodos de mudez vinham depois de grande produção criativa, frenética. Hoje, posso pensar que era como a respiração: uma profunda inspiração, uma intensa expiração. Mas geralmente eu pensava ‘ah, dessa vez estou ferrado, me fodi, que vida é essa minha?’. Eu me assustava com o meu silêncio e minha pouca vontade de me expressar, de ser agradável a mim e aos amigos, de reconhecer algo como bom, legal, bacana. Sons me incomodavam, risadas me incomodavam, entusiasmos me perturbavam, eu estava num longo sentimento de solidão, de rompimento, eu e mais eu, uma combinação que quase sempre pensei ridícula e, no entanto, a única com que podia viver: eu e mais eu, e quantos mais, não sei. Na verdade, pensando bem, mesmo nos períodos de força criativa, sempre me senti absolutamente só. Um só que me entristece, até hoje. Acho que este talvez seja o sentimento que mais me manifeste: a tristeza. É uma vontade genuína de tristeza, mas uma revolta de haver tanto de triste em mim. Minha profissão correu, mais das vezes, ao largo, eu não comungava o trabalho com essa tirania do sozinho. Mas ela, a solidão, estava lá, sempre, como uma companhia de amor incondicional. Não sei se algum dia senti amor incondicional por mim mesmo, assim como penso que sou. Ao mesmo tempo, entendo que não existe a solidão como uma mulher bem vestida, de cabelos alinhados e olhar perscrutador. Nem no rosto de uma bruxa – a solidão não existe, a solidão é de uma vontade. E ainda que eu possa – porque meu intelecto atinge essa idéia – ainda que eu possa afirmar aqui que, pelo que disse antes, só posso concluir que tenha amor incondicional por mim mesmo, há um sentimento intransigente que não me deixa dizê-lo, a não ser que minta. Como dois mares distantes, muito distantes, há o eu que me prende aqui, que me quer aqui; e há o eu que me empurra para o abismo – é quando o eu que me quer aqui diz: fique.”

lá longe

Estava lá longe fazendo uma nova máscara de lágrimas misturada à lágrima verdadeira aos olhos molhados um pouco mais pra direita, mas não, ela não faz isso calculado, ela sofre de verdade, não é pra que tenham culpa e pena, mas agora nem ela acredita, os olhos molham e ela, longe, dizendo que isso é teatro, longe, longe, de meninos, de motocicletas, de teclas, de mesa branca, longe dos verdadeiramente molhados nos olhos, aqueles que sofrem de verdade, que não fazem o sofrimento mas vivem, ela não acredita que a si própria está desacreditando, molhando os olhos com intenções, pensa, de terceiras intenções vestida para machucar os outros, e dorme, dorme, dorme, lá longe, dorme de visita, de pestana aguada, faz palavras bonitas para que leiam, os que nunca lêem, mas um dia poderão, quando ela morta, então faz e corrige palavras porque fulano pode achar mal apanhado, repetitivo, sicrano pode dizer que ela foi uma riquinha travestida de sofredora, e os olhos estão baços, que ela acredite, lá longe, longe muito, por detrás, detrás é uma palavra literária, nem é mais, e pode ficar sendo, sendo, longe, as letras do teclado, as mais próximas dos dedos para fechar o cerco.

cative


Cative, uma multidão, gira nos calcanhares para alcançar o último da fila.
- Esta fila é pro Benjamim?
- Não sei. A gente vai ver Garfield.
- Obrigada.
Cative, uma multidão, gira nos calcanhares mais uma vez.
- Moço, onde é a fila pro Benjamim?
- Não tem fila ainda. A sala não foi liberada.
- Falta cinco minutos.
- Pode esperar por aqui, já vamos abrir.

Cative, uma multidão, pega um drops na bolsa e enfia na boca. Cumprimenta um cara conhecido. Como é mesmo o nome dele? Sem registro. Procura as chaves da casa no bolsinho interno da bolsa, sempre desconfiada de ter deixado a chave na porta do apartamento, ou no banco da lotação, ou. Sala um liberada. Cative, uma multidão, entra no cinema vazio. Escolhe a fileira do meio e a poltrona do meio. O cara sem registro é ator de telenovelas. Daí. E esse audiovisual de instruções de “como usar sua sala de cinema” é in-su-por-tá-vel. Também o barulho dos sacos de pipocas. E a perna do vizinho de trás batendo nas costas da poltrona.
Hoje você fez bonito, hein, Cative? O comercial do banco trinta horas também não dá mais pra agüentar. Da próxima vez, vai entrar atrasada na sessão. Faz favor! Essa menina se mima demais. Três livrarias num dia só. Nenhum desembolso. Há. Cative, você se supera. Mas o filme parece ser bom, pela primeira cena. Será que você consegue parar de fumar? Pé nas costas da poltrona. Queria dizer: olha, dá pra você parar de bater o pé nas costas da minha poltrona? Das dez mil e oitocentas vezes que já esteve num cinema na vida, umas dez mil setecentas e oitenta e nove vezes, seguramente, foram perturbadas por um pé. Sacos de pipoca não incomodam tanto, o barulho vai se incorporando. Essa atriz é linda. Nada nela é imperfeito. Nenhuma parte torta. Podia ter convidado a Nill. Mas ela até lixa as unhas durante o filme! Mesmo assim. Quanto cinema pra tantas horas. E que horas. Horas de sossego, de esfregação, de palavra. Deixa.

hello

Você acredita em bruxas?
Não?
Então vá
Na tabacaria do homem de óculos
Compre a brochura papel jornal
Aprenda encantamentos
Acione a rosa dos ventos
E creia:
As bruxas, não
Mas você é um bicho em extinção.

cântico para enriquecer tua alma


a tua ausência é o rio divisor
que não passa em minha cidade
que não admoesta os vizinhos com as cheias e as vazantes
é o delta que existe lá no egito
e não tem vertente aqui
por isso, caro amor,
o cãntico se transforma em palavra mole que todo mundo diz
e não chega aos teus ouvidos
mas deixe que o rio do egito respingue no rosto teu
e que as águas murmurem para lá dos montes altos
e o cântico saia disfarçado
em música de rádio nos automóveis
é esta a ausência
que é tua, até ela
pois que nada há de meu num curso forte e desorientado que atravessa o egito


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17.1.07

quibebe

é quibebe
é aurora
é metralhadora
é circo
é recinto de noite na terra da garoa
é espanto
é espicho de música na ponta da língua
música na ponta da agulha
ponta do dedo da statue of liberty
cuíca no soho
barbie no morro
tambor, vibrador
música da vez
música é pra isso

espaço é possibilidade: em terra de gato, quem é rei abre o olho

E eu ia pensando, pensando, e me deparando com o gosto que tem o ato da escrita. O comportamento da escrita. O peso de uma palavra e depois outra. E a liberdade do espaço entre elas. E penso que eu queria ser o gato Emanuel da Lygia Fagundes Telles. Um gato transformado em possibilidade. Mentira branca que a personagem aplica só pra não ficar de fora do grupo que tem. Tem o quê? Homem, mulher, hierarquia, sorte, muito medo. E a gente tem medo é do peso das palavras, da possibilidade que se abre através das palavras, e tem medo do espaço que elas permitem que exista. Uma menina inventa que Emanuel é o nome do novo namorado dela. Muito diferente da outra, a amiga, que tem um namorado que se chama sei-lá-o-quê. E a diferença está no espaço. O espaço que a protagonista do conto de Lygia cria para si, dando uma chance aos outros. Sim, porque ela sabe que Emanuel é o nome do gato que ronrona nos pés dela de noite. Assim como eu penso agora que uma palavra e depois outra ficam escritas pedindo que eu as leia e crie algo de novo no espaço entre elas. Complicado, isso. Complicado, sim. A gente querer expandir a vida, dar uma chance para o dia de hoje, fazer desse dia aquele que teria, na nossa imaginação, 28 horas. 33, sei lá. Um pouco mais. Uma respiração a mais: um olho desenhado a batom no espelho, um olho vivo, uma imagem viva que não tem semelhança com o olho nu, mas que é a tal da possibilidade. Invento um olho de batom e driblo o meu medo, a minha desorientação, a angústia medonha que vem de noite me pegar pelo pé, e eu? Eu chuto. Fica o gosto azedo da angústia, de uma coisa fora de lugar que sempre teve seu lugar guardado em mim, entretanto. Entre tantos espaços, condicionamentos, e vontades de ser o que sou sem dar satisfação pra ninguém. Essa a idéia do gato Emanuel. Nome bíblico ou de rei. Nome que produz no ouvido dos outros um efeito de palavra nobre. E a coisa da palavra, escrita, falada, produz esse fenômeno: a possibilidade de dar um significado novo. E de ler uma palavra através da outra. Por que, quando pequenas, aprendíamos a dizer o verso “batatinha quando nasce se esparrama pelo chão/menininha que namora põe a mão no coração”? Por causa do medo. De que botássemos a mão em outro lugar muito mais interessante. Para que não criássemos a possibilidade do desejo do sexo do outro. Para que nos apaixonássemos romanticamente e guardássemos essa estória toda que eu escrevi aí em cima num baú velho, cheio de quinquilharias que um dia mostraríamos aos netos. Anseio pelo gato Emanuel. E pelo olho que vou desenhar com batom agora mesmo no meu espelho.

16.1.07

corações não têm mãos



Tens o olhar de quem sabe que alguém veio no mundo pra te ver e nunca te encontrou. És do tamanho desta dor. Dessa ausência. E tua magra figura é a revolta pura de tanta inocência. Por isso fazes de teus dias a prática secreta das frias emoções. Tuas atitudes são tardias para que deixem nos outros a marca. Tens o sal da boca dos leões de zoológico. Eu te criei mais frágil, mais ameno, mais condescendente. Te criei um cérebro ativo e impaciente, jamais calculista. Te vi: o homem dentro do menino. Mas és velho como o tronco do carvalho, viajas neste mundo para explicar teu primeiro galho na raiz. Fiz de ti um risco de giz para poder te amar, e a sombra se mostrou e me fez ver o que eu nunca quis. Agora és o borrão dessa natureza forte, quase desumana, porque teimo ser humana a miragem que perdi. Eu te menti. Como posso ser tão mesquinha? Não és uma sombra minha, mas a alma gêmea do tufão em movimento. És um despertar sangrento e uma gargalhada, tudo ao mesmo tempo. És o espelho do que eu não queria ser em mim. E sou. Não me surpreendes, mas me fazes estremecer pela existência de teu andar demente. Será isso um elogio? Não, talvez uma toada de paixão e glória entre condenados, entre seres desconfiados do amor que existe. Por aí. Por aqui. Amor é o louco no céu implorando para que seus pés toquem a terra.

(Somos detalhes de um esquema grandioso que nos foge ao entendimento,porque a válvula que bombeia sangue para esse corpo que cultuamos mora dentro do coração. E corações não têm mãos.)

como se ouvisse música



na cadência do samba
conquistou uma gargalhada que se ouviu no oiapoque
e comeu da mão de um bêbado na praça quinze
quem duvida? está lá
mas você não acredita porque é urbano
porque levanta às seis e pega a avenida
surge numa sinaleira, boceja pros passantes
cai na mesa de trabalho e joga teu corpo na obsessão
você não pode acreditar, compreendo
você almoça com tíquete
uma mistura quente que te escorre a goela
pra voltar aos números
resultados virtuais que enchem a cabeça
e te afastam da verdade, e é por isso
que você não acredita
em quem comeu da mão de um coitado
que dorme no banco quebrado e nunca troca as roupas
você é urbano
está contente com os aumentos
assim você tem de contar dinheiro
sentir que produziu no último mês
ser honesto, vinte e quatro horas e
vencer o assassino que existe aí dentro
camarada você nunca foi, nem tinha nascido
quando inventaram o sonho das igualdades

balão




Balão balão
Será meu último refrão
Antes que as escotilhas se abram ao mar
Antes que as naves presas se lancem no ar
Era dia de balão na minha aldeia
Era dia de olhar pro céu tão alto
Era dia de fazer a maior ceia
Porque o ponto de partida agora é salto
Eu não te vejo de sal
Não te vejo de mel
Não te vejo de mal
Eu só te vejo de céu
De garganta ao léu
De perfume do mato
Só se subir no balão
Acabo esse refrão
Pra te dar um coração
Vem ver
O balão que subindo
Vai deixando e partindo
Um coração de ser

ferramenta de viver

É hoje a ferramenta do eu. Onde foram parar as pontes das duas? Fio velho, fio novo, só uma lã entre as coisas sou agora. Só cabeça de ouvidos. Cabecinha de ouvidos, tricotada, tricotada. O pé velho. Só ir dormir, ontem, tonta, família zune, pareço não querer, não compreender, não aceitar, filha encravada na noite, minha ferramenta, em mim.

lâmina



lâmina afunda

essa lâmina que divide a carne do osso

do meu pescoço

...e o silêncio escutou

rodas pela casa
pelo silêncio
rodas pela casa
com a cara
coberta de jóias raras
boca, olhos, nariz
pele clara
e o silêncio te encontra e te vê
o silêncio, esse mendigo
entre os discos e a tevê
ah, agora é só silêncio
(e nem dizes)
rodas pela casa
quinze pra uma
noite diurna
tempo pra fazer
café, conforto, carinho
tempo pra afofar o ninho
no entanto...
(rodas pela casa)