25.2.07

Tua


Naquele tempo, escrevia-se cartas. Jeannie guardava cópias das que mandava numa pasta azul. E naquele domingo, foi pra cama com a certeza de que a resposta da última chegaria na manhã seguinte. O correio não falhava - ademais, a cidade era pequena. Então, quando o carteiro chegou, Jeannie já tinha tomado café e caminhava no jardim.

- Bom dia, senhora!

- Que belo dia, Artur. O que tem para mim?

- Aqui estão. Fora as contas, este cartão.

- Hm. É da minha prima, a Lídia. Ela está passando uns dias nas termas aqui perto e... bom. Obrigada, Artur.

- Passe um bom dia, senhora!

Água, telefone, prestação da loja de tecidos - a última, ainda bem. E Lídia vai muito bem, obrigada, tirando férias em meio à natureza.

Mas.

Quando o pensamento começa ou é interrompido por um "mas", aí começa. Desventura! Eles se correspondiam há meses, desde que Jorge se mudara para Esterópolis, a trabalho. E mesmo antes, Jeannie sempre lhe escrevia, aquilo que não sabia dizer ao vivo.

É.

Como o correio nunca atrasava, e como fazia quinze dias que enviara a última carta, algo acontecera com Jorge.

Jeannie entrou no quarto, abriu o gavetão da escrivaninha, tirou a pasta azul. Espalhou as cartas pela colcha bordada.

Olhou pela janela: as luzes da prefeitura acenderam, o baleiro da esquina recolhia a mercadoria e já não gritava: pirulito! inhá-benta! tijolinho!

Jeannie tateou o abajur, acendeu a lâmpada.


Jorge querido


Hoje é dia de feira. Comprei abóbora, para fazer em calda, como você adora. Também arranquei inços do jardim e botei rolos nos cabelos. Agora, amarrei aquele lenço estampado de cor de rosa que você me deu.

Como vai o novo trabalho?

Está se adaptando?

Fico pensando se você está se alimentando, se continua com os exercícios, olha a gota, meu amor. Não facilita, por favor.

Será que você vai tirar uns dias na semana que vem para vir me ver?

Prometo trocar os lençóis e botar na cama a colcha que bordei quando nos conhecemos, lembra?

Às vezes me sinto tão sozinha, Jorge.

Ainda bem que o correio daqui nunca atrasa, tua resposta deve chegar em dois, três dias no máximo.


Te amo.


Tua


Jeannie

2 comentários:

Cinthya Verri disse...

FINALMENTE!!! Que saudades!!
Que bela textura... Adorei.
Que linda fala de solidão.
Beijooos!

jaci disse...

um pedido. a esperança da resposta. que doloroso. que pungente.
saudades Ely.
vou nos linkar na blogosfera, tá?
bjão.